As Graças

O grupo teatral As Graças é formado pelas atrizes Eliana Bolanho, Juliana Gontijo e Vera Abbud e completa 24 anos de existência em 2019 com um trabalho continuado de pesquisa e de criação de espetáculos teatrais

Circular de Teatro

O que nos levou a elaborar o Circular Teatro foi a experiência com a circulação do espetáculo Poemas para Brincar. Este foi o segundo espetáculo produzido pelo grupo, um espetáculo infantil de bonecos, com texto adaptado do livro homônimo de José Paulo Paes. Estreou em 1996 e no mesmo ano ganhou três importantes prêmios de teatro infantil, MAMBEMBE – Grupo, APCA – Texto, PRÊMIO COCA-COLA – Música e Categoria Especial/Teatro de Animação. A aceitação de público e crítica do nos rendeu o convite, em 1999, do Projeto Móvel de Cultura e Meio Ambiente da Comunidade Solidária do governo federal. Nesse projeto o espetáculo percorreu o sertão de Pernambuco e Alagoas realizando 13 apresentações, passando por diversas cidades pequenas e com pouca infra estrutura.

Nos espetáculos infantis esteve sempre presente a linguagem de bonecos, muito eficiente na comunicação com o público infantil.

Nesses dias em que percorremos essas cidades, conhecemos três circos de lona que percorriam a região com artistas excepcionais, conhecemos pessoas que faziam teatro de mamulengos, agentes culturais e festas tradicionais. Tivemos uma receptividade que nos encantou. Em muitas cidades a curiosidade era tanta que após o espetáculo mostrávamos os bastidores do teatro, explicando o funcionamento do teatro de bonecos. O fato de um dos bonecos ser chinês causava furor na platéia pois muitos nunca tinham visto nenhuma pessoa com traços asiáticos naquela região. “-Olha o chinesinho dos olhos travados e as ventas amassadas!”, comentou uma das crianças espantada.

Tivemos também uma acolhida calorosa como se fôssemos o circo a chegar numa cidade. Apresentamos em igrejas, escolas, centros comunitário. Em muito deles a população ajudou a divulgar e arrumar os espaços. Essa experiência nos marcou profundamente, a alegria de levar o teatro aos mais diversos cantos do país, numa genuína tradição mambembe, onde nos adaptamos as mais diversas situações levando e trazendo memórias, lembranças e experiências nos transformou. Estava definida nossa vocação: Circular com nosso teatro.

Foi em 2002, com a primeira edição da lei de Fomento ao teatro da cidade de São Paulo que pudemos por nosso sonho em prática. Este edital nos oferece a oportunidade de desenvolver um projeto de pesquisa livre. Onde o desejo artístico é foco do edital. O fato de oferecer tamanha liberdade e confiança nos grupos da cidade permitiu que ousassemos realizar sonhos. Quando nos reunimos para decidir em que gostaríamos de mergulhar com esse edital, lembramos de nossa experiência de circulação pelas cidades do nordeste em 1999. Queríamos fazer teatro em lugares remotos, para fora do eixo convencional e com a mesma qualidade das salas de espetáculo. Foi então que decidimos montar um ônibus teatro, que pudesse circular por lugares distantes da cidade, em lugares públicos como praças, parques e ruas, com a qualidade das salas convencionais. Suge então o projeto Circular teatro. Resgatamos um ônibus de 1960 da garagem de um amigo e transformamos em um ônibus teatro. Reformamos para comportar palco, luz, som, platéia e camarins e adaptamos nossos espetáculos para esse novo espaço sobre rodas. Os espetáculos Poemas para Brincar (infantil) e o Tem Francesa no Morro (adulto) feitos para palco italiano foram adaptados à estrutura do ônibus e percorremos com eles as cinco regiões da cidade de São Paulo. Depois foi a vez de adptarmos O Voo, direção de Cláudio Saltini, texto de Regina Galdino. O espetáculo era apresentado dentro do ônibus. O público assistia de fora, e numa grande janela na lateral do ônibus o espetáculo acontecia. Uma nova forma de utilização do Circular Teatro.

Nesta primeira edição de fomento ao teatro nos deparamos com vários desafios. Como reformar um ônibus? Quem faria isso na cidade? Consultamos lista telefônica (naquela época não havia sites de busca) e achamos uma oficina que reformava trailer. Foi esta oficina que fez as adaptações: modificou a cor do ônibus de branco para azul marinho, que é uma cor neutra para a rua, construiu um palco em cima do ônibus, um palco na frente do ônibus, um escadaria externa para ligar o palco de cima com o debaixo, uma escadaria interna para subir no palco de cima, uma cortina em cima do ônibus no palco de cima, uma abertura na lateral oposta ao palco para dar acesso ao camarim, e um toldo para abrigar o camarim.

Essa primeira reforma o projeto do palco foi encabeçada por Kleber Montanheiro pois na época era diretor do nosso último espetáculo, Tem Francesa no Morro. Esse espetáculo era um teatro de revista que exigia cortina e escadas para as cenas. Portanto a reforma do ônibus palco, contemplou essas necessidades.

Nesse primeiro edital participaram da nossa circulação Os grupos La Mínima, Jogando no Quintal, Caixa de Imagem e Ésio Magalhães. Queríamos trocar com outros grupos que tinham trabalho de rua.

Começamos um mergulho no teatro de rua e uma série de questões se impuseram: Onde nos apresentamos? Qual é nosso público? Do que falamos? Dessas perguntas nasceram o primeiro espetáculo feito diretamente para a rua, que falava das nossas andanças por São Paulo e que buscava o teatro popular e seus elementos. Chamamos para dirigir este espetáculo o Ednaldo Freire da Fraternal Cia de Artes Malas-Artes, que dedica-se ao resgate da recriação de formas tradicionais populares. E nossa parceira Regina Galdino para a dramaturgia, pois são raros os textos exclusivos para mulheres. Trabalhamos a comédia musical com as músicas de Adoniran Barbosa que faz muitas músicas com os bairros de São Paulo. O espetáculo faz rir e chorar, trabalha com elementos populares, como a música, os acontecimentos que agregam pessoas nas ruas como casamento, atropelamento, a bebedeira, a malandragem. Com ele percorremos a cidade de São Paulo, diversos estados brasileiros e muitos festivais de teatro.

O Circular Teatro tem sido nosso carro chefe e orienta a pesquisa do grupo. Já produzimos exclusivamente para o Circular Teatro, além do Nas Rodas do Coração, outros espetáculos:

Noite de Reis, 2006 de William Sheakespeare, com direção de Marco Antônio Rodrigues, que buscava apresentar uma dramaturgia potente e popular na rua.

Como Saber? 2008 com direção Leris Colombaione, palhaço italiano, de família tradicional de circo. Ainda Seguindo a busca por um teatro popular, que a linguagem direta e cômica do palhaço proporciona.

Com a vinda de Leris Colombaione, o palco do ônibus passou por nova reforma, agora com os conhecimentos de um diretor de circo. Graças a ele o palco ficou com menos ferragens, mais leve e sustentado por um sistema de encaixes. O que diminuiu o tempo de montagem e desmontagem.

Marias da Luz, 2013, dramaturgia de Daniela Schittini e Nereu Afonso, com direção de André Carrera, que rompeu com os limites do palco atrelado ao ônibus e é encenado na rua em proximidade com o público, sem diferenciação de palco e platéia. O público acompanha as atrizes que se deslocam pelo espaço. O ônibus passa a ser um personagem da peça, transformando-se em um trem, em teatro e em suporte para cenário. Esse espetáculo nasce da vontade de estudar o Parque da Luz, que entre todas as regiões por onde passamos na cidade de São Paulo, esta nos arrebatou e que talvez melhor represente nossa cidade. É um lugar de convivência, estão lá prostitutas, imigrantes coreanos, bolivianos, judeus, turistas vindos do interior trazidos pela malha ferroviaria, turistas estrageiros atraídos pelos museus da região, pessoas de alta e baixa renda, adictos de crack, adultos, crianças, idosos. Isso é possível ali. O parque é o mais antigo da cidade, data da época de Dom Pedro. Tem muita história e beleza.

Quem vem de longe, 2018, dramaturgia de Nereu Afonso e direção de Cristiane Paoli Quito. O espetáculo trata dos deslocamentos humanos e o ônibus passa a ser quase um símbolo do deslocamento. O espetáculo é encenado como um conversa com o público, acolhendo quem vem de longe para ver o espetáculo.

A ideia deste espetáculo surge em 2003 na ocupação do parque da Luz, devido a histórias de imigrantes que passaram por lá.

Fizemos duas grandes expedições com o nosso Circular Teatro. A primeira delas viajamos 12 capitais dos estados brasileiros com o espetáculo Marias da luz em 2014 como patrocínio da BR Petrobras.

Depois em 2016 com o espetáculo Nas Rodas do Coração, Poemas para Brincar e Canto a Canto, acompanhamos o rio Jequitinhonha da sua nascente em Serro-MG até a sua foz em Belmonte-BA. Apresentamos nas cidades ribeirinhas, onde pudemos ver de perto a forte cultura das cidades extremamente marcadas pela presença do rio. Esse projeto foi contemplado pela edital Myriam Muniz de circulação.

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